terça-feira, 1 de maio de 2012

Dia Internacional do Trabalho.



        A família foi arruinada pela Revolução Francesa. Ele, pequeno-burguês típico, é obrigado a meter-se num escritório e vira um burocrata carimbador. Compensa a existência medíocre elaborando planos para uma sociedade nova e harmoniosa, oposta à selva proposta pela burguesia em ascensão. De seus sonhos, destilam-se os falanstérios, módulos de até 1.500 pessoas, ordenados pelas “paixões humanas” e sintonizados com ideias avançadas, como a de que o grau de emancipação da mulher é a medida natural da emancipação geral (um feminista antes das feministas). Tem uma visão absolutamente original sobre a divisão do trabalho. Não admite que o homem se dedique a apenas uma ocupação a vida inteira, fonte de tédio e desperdício de criatividade. Sugere que todos deveriam estar aptos a exercer, pelo menos, vinte ocupações, praticando cinco ou seis delas diariamente. A educação, no falanstério, deveria ser polivalente, mesclando teoria e prática. Como se vê, um pensador original e muito à frente do seu tempo.
        Acreditava que suas propostas eram tão justas, generosas e racionais que seriam aceitas com facilidade. Divulga-as e anuncia que estará, todos os dias, ao meio-dia, em sua casa, aguardando mecenas que investissem na construção dos falanstérios. Esperou durante vinte anos. Nenhuma boa alma apareceu. Charles Fourier morreu carimbando papelada comercial, sem perceber que os conflitos que a nascente revolução burguesa traziam não seriam resolvidos apenas com argumentação razoável e boas intenções. Os interesses de classe não são eliminados com saliva ou fantasias apaziguadoras. Mais adiante, Karl Marx trouxe a formulação que revolucionou a forma de perceber a História e ultrapassou o idealismo, não raro genial mas incompleto, de seus antecessores: a história das sociedades é a história das lutas de classes. De qualquer forma, a ruptura marxista nunca deixou de prestar homenagem aos pioneiros que, como Fourier, sonharam com a Justiça e afirmaram que a História se move, é determinada pelos homens e não por forças sobrenaturais.
        Mais de dois séculos depois de Fourier, patinamos em crises cíclicas e o planeta, ao lado de enormes avanços tecnológicos, é um habitat cruel para grande parte de seus habitantes. As desigualdades atingem proporções apocalípticas, alimentando uma guerra diária, silenciosa, pouco destacada pelos grandes meios de comunicação. A cada seis segundos, uma criança morre de fome no mundo. Quase um bilhão de homens, mulheres e crianças acordam e vão dormir todos os dias passando fome. Crise de oferta de alimentos ? Nada disso. Nunca houve tanta abundância de produtos agrícolas no mundo, os supermercados e as redes de distribuição de alimentos estão abarrotados. O problema é que o doutor Mercado tem regras pétreas para que os famintos tenham acesso aos alimentos. Comida, no capitalismo, é mercadoria, quem não tiver dinheiro não compra. De acordo com a ONU, cerca de dois bilhões de indivíduos (um terço da humanidade) sofrem de anemia. Vinte por cento da população mundial vivem com menos de um dólar por dia. Mesmo no país mais rico do mundo, os Estados Unidos, a situação não é menos dramática. Mais de 42 milhões de cidadãos dependem da ajuda do governo para não passarem fome. Enquanto isso, o governo Obama alocou US$ 708 bilhões para financiar guerras em 2011. O capital reina, a humanidade sofre.
        Estamos na véspera do Dia Internacional do Trabalho. A memória dos Mártires de Chicago tem vasos comunicantes com os trabalhadores que, em muitas partes, irão às ruas amanhã para protestar contra o desemprego, as condições indignas de trabalho e, numa agenda ampliada, a destruição ambiental. Não é uma revolta generalizada contra o capitalismo, mas etapa pedagógica de organização e unificação dos trabalhadores. No Brasil, há muito que o 1º de Maio virou, em grande medida, um convescote chapa branca. A conciliação de classe chega a seu clímax nos palanques patrocinados por governos e empresários, centrais sindicais substituindo a herança de lutas por sorteios de apartamentos e shows sertanejos (macete indecoroso para atrair público). No entanto, como diria o Cazuza, o tempo não para. O adesismo não será eterno. A classe trabalhadora se move e encontrará meios e formas de retomar seu caminho para emancipar-se da escravidão do capital. Eppur si muove.
Abraço
Jacques
 Triste, mas previsível

        Acabo de ouvir o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff, sobre o 1º de Maio. Não me surpreendeu. O mesmo discurso, com diferenças irrelevantes de forma, seria feito por qualquer dos partidos políticos do país. Repito: qualquer um. A esse ponto chegamos. Um partido que nasceu no campo da esquerda adernou tanto para o centro que virou referência de coisa nenhuma. Gelatina incolor.
        Efeitos colaterais:
1. A tarefa de educar politicamente a população continua jogada às traças. A chefe do Executivo, com total acesso a uma rede nacional de rádio e televisão, fala como uma gerentona, sem estimular a participação das massas nos grandes assuntos nacionais. Não há a mais remota iniciativa nesse sentido. A política é engolida pela burocracia.
2. A memória operária, da qual o Dia Internacional do Trabalho é um símbolo relevante, perde alguns neurônios. Não houve, nas palavras da presidente, uma única referência às lutas históricas da classe trabalhadora, já não digo no mundo, mas pelo menos no Brasil. Não lembrou, sequer, a origem do 1º de Maio, razão formal do pronunciamento. Ouvimos falar de juros e conciliação de classe, um mundinho alienado e desmobilizador, que ignora as graves ameaças que pesam sobre os direitos dos trabalhadores em muitas partes do mundo e não manifesta solidariedade a eles. Será que estamos voltando à “ilha de tranquilidade” da época da ditadura militar ?
Triste, mas previsível.
Jacques Gruman

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