A família foi arruinada pela Revolução Francesa.
Ele, pequeno-burguês típico, é obrigado a meter-se num escritório e vira um
burocrata carimbador. Compensa a existência medíocre elaborando planos para uma
sociedade nova e harmoniosa, oposta à selva proposta pela burguesia em ascensão.
De seus sonhos, destilam-se os falanstérios, módulos de até 1.500 pessoas,
ordenados pelas “paixões humanas” e sintonizados com ideias avançadas, como a de
que o grau de emancipação da mulher é a medida natural da emancipação geral (um
feminista antes das feministas). Tem uma visão absolutamente original sobre a
divisão do trabalho. Não admite que o homem se dedique a apenas uma ocupação a
vida inteira, fonte de tédio e desperdício de criatividade. Sugere que todos
deveriam estar aptos a exercer, pelo menos, vinte ocupações, praticando cinco ou
seis delas diariamente. A educação, no falanstério, deveria ser polivalente,
mesclando teoria e prática. Como se vê, um pensador original e muito à frente do
seu tempo.
Acreditava que suas propostas eram tão justas, generosas e racionais que
seriam aceitas com facilidade. Divulga-as e anuncia que estará, todos os dias,
ao meio-dia, em sua casa, aguardando mecenas que investissem na construção dos
falanstérios. Esperou durante vinte anos. Nenhuma boa alma apareceu. Charles
Fourier morreu carimbando papelada comercial, sem perceber que os conflitos que
a nascente revolução burguesa traziam não seriam resolvidos apenas com
argumentação razoável e boas intenções. Os interesses de classe não são
eliminados com saliva ou fantasias apaziguadoras. Mais adiante, Karl Marx trouxe
a formulação que revolucionou a forma de perceber a História e ultrapassou o
idealismo, não raro genial mas incompleto, de seus antecessores: a história das
sociedades é a história das lutas de classes. De qualquer forma, a ruptura
marxista nunca deixou de prestar homenagem aos pioneiros que, como Fourier,
sonharam com a Justiça e afirmaram que a História se move, é determinada pelos
homens e não por forças sobrenaturais.
Mais de dois
séculos depois de Fourier, patinamos em crises cíclicas e o planeta, ao lado de
enormes avanços tecnológicos, é um habitat cruel para grande parte de seus
habitantes. As desigualdades atingem proporções apocalípticas, alimentando uma
guerra diária, silenciosa, pouco destacada pelos grandes meios de comunicação. A
cada seis segundos, uma criança morre de fome no mundo. Quase um bilhão de
homens, mulheres e crianças acordam e vão dormir todos os dias passando fome.
Crise de oferta de alimentos ? Nada disso. Nunca houve tanta abundância de
produtos agrícolas no mundo, os supermercados e as redes de distribuição de
alimentos estão abarrotados. O problema é que o doutor Mercado tem regras
pétreas para que os famintos tenham acesso aos alimentos. Comida, no
capitalismo, é mercadoria, quem não tiver dinheiro não compra. De acordo com a
ONU, cerca de dois bilhões de indivíduos (um terço da humanidade) sofrem de
anemia. Vinte por cento da população mundial vivem com menos de um dólar por
dia. Mesmo no país mais rico do mundo, os Estados Unidos, a situação não é menos
dramática. Mais de 42 milhões de cidadãos dependem da ajuda do governo para não
passarem fome. Enquanto isso, o governo Obama alocou US$ 708 bilhões para
financiar guerras em 2011. O capital reina, a humanidade
sofre.
Estamos na véspera
do Dia Internacional do Trabalho. A memória dos Mártires de Chicago tem vasos
comunicantes com os trabalhadores que, em muitas partes, irão às ruas amanhã
para protestar contra o desemprego, as condições indignas de trabalho e, numa
agenda ampliada, a destruição ambiental. Não é uma revolta generalizada contra o
capitalismo, mas etapa pedagógica de organização e unificação dos trabalhadores.
No Brasil, há muito que o 1º de Maio virou, em grande medida, um convescote
chapa branca. A conciliação de classe chega a seu clímax nos palanques
patrocinados por governos e empresários, centrais sindicais substituindo a
herança de lutas por sorteios de apartamentos e shows sertanejos (macete
indecoroso para atrair público). No entanto, como diria o Cazuza, o tempo não
para. O adesismo não será eterno. A classe trabalhadora se move e encontrará
meios e formas de retomar seu caminho para emancipar-se da escravidão do
capital. Eppur si
muove.
Abraço
Jacques
Triste, mas previsível
Acabo
de ouvir o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff, sobre o 1º de
Maio. Não me surpreendeu. O mesmo discurso, com diferenças irrelevantes
de forma, seria feito por qualquer dos partidos políticos do país.
Repito: qualquer um. A esse ponto chegamos. Um partido que nasceu
no campo da esquerda adernou tanto para o centro que virou referência
de coisa nenhuma. Gelatina incolor.
Efeitos colaterais:
1.
A tarefa de educar politicamente a população continua jogada às traças.
A chefe do Executivo, com total acesso a uma rede nacional de rádio e
televisão, fala como uma gerentona, sem estimular a participação das
massas nos grandes assuntos nacionais. Não há a mais remota iniciativa
nesse sentido. A política é engolida pela burocracia.
2.
A memória operária, da qual o Dia Internacional do Trabalho é um
símbolo relevante, perde alguns neurônios. Não houve, nas palavras da
presidente, uma única referência às lutas históricas da classe
trabalhadora, já não digo no mundo, mas pelo menos no Brasil. Não
lembrou, sequer, a origem do 1º de Maio, razão formal do pronunciamento.
Ouvimos falar de juros e conciliação de classe, um mundinho alienado e
desmobilizador, que ignora as graves ameaças que pesam sobre os direitos
dos trabalhadores em muitas partes do mundo e não manifesta
solidariedade a eles. Será que estamos voltando à “ilha de
tranquilidade” da época da ditadura militar ?
Triste, mas previsível.
Jacques Gruman
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