quarta-feira, 30 de abril de 2014

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA CAMPANHA SOMOS TODOS MACACOS

O ato do jogador Daniel Alves, ao ter lançada contra ele uma banana durante partida de futebol, gerou reações bem dicotômicas e repercussões maiores ainda do que, talvez, ele esperasse. O jogador Neymar, que até algumas semanas não se afirmava afrodescendente com uma equipe de publicitários, iniciou uma campanha na qual ele, com uma banana, afirma que “somos todos macacos”. Ganhou a rede.



Em tempos de comunicação global, essa atitude repercutiu em escala de dez e as redes sociais foram inundadas por imagens que vão de políticos a artistas, singelamente se afirmando macacos e deglutindo a polissêmica fruta. O apresentador Luciano Huck, mais rápido do que veloz, aderiu a campanha e lançou, em apoio a esta, camisas com a frase afirmativa e a imagem de uma banana que, não consegui até agora entender, é preta.



De início tive vontade de reagir contra a campanha, mas me segurei pois muito da minha reação estaria ligada ao passado de depreciações que sofri ao ser comparado com nossos parentes próximos, os macacos. E não eram comparações positivas como a que essa campanha supostamente parece promover. Depois de muito observar as reações, decidi escrever algumas considerações que não se querem fechadas, mas que fazem parte de minhas reflexões sobre o acontecido e partem de autores que estudei e, claro, de minha experiência de vida afrodescendente.



1. NÃO SOMOS MACACOS. Essa Darwin já afirmara há algumas muitas décadas e já naquela época não se quis ser macaco inclusive porque se afirmava pejorativamente semelhança com negros africanos. Essa afirmação pós jogo de futebol parece boa, mas precisa ser problematizada, o que nos leva até a próxima consideração:



2. NEGROS E MACACOS SÃO ESTIGMAS. Para ampliar a reflexão, definamos o que é estigma: é a relação que se estabelece entre determinado atributo e estereótipos. Estigma, de maneira bem simplificada, é uma marca que tem sentido específico para quem a carrega e para quem a vê. No caso específico do Brasil, ter a pele escura, o nariz largo, os lábios carnudos, o cabelo carapinha são estigmas, são marcas que são vistas por maior parte da sociedade como algo depreciativo.



Essa afirmação se comprova em várias situações do cotidiano:



a) quem tem pele escura tem mais chances de ser revistado em “baculejos” policiais;



b) quem tem cabelo carapinha/pixaim é pejorativamente taxado de “pessoa de cabelo ruim”;



c) quem tem nariz largo é definido como “nariz de negro” ou “venta de porrote”;



Em suma, estes são exemplos de como o que se mostra atributo da população afrodescendente é adjetivado como coisa ruim, depreciativa.



Referir-se a alguém afrodescendente como “macaco” é prova histórica desse racismo que constituiu a sociedade brasileira e ainda está presente ainda que as ideias de Darwin já tenha provado que não somos macacos.



3. POR QUE A CAMPANHA PODE SE MOSTRAR MAIS NEGATIVA QUE POSITIVA PARA A POPULAÇÃO AFRODESCENDENTE: considerando o que foi afirmado acima acerca de estigma e relação atributo físico – estereótipo, pense na seguinte situação:



Vemos fotos correndo soltas nas redes sociais de pessoas com a fruta polissêmica, a banana, certo? Pois bem, vemos muitas pessoas de pele clara com a fruta e afirmando que são macacos e, muito provavelmente, pensamos: “caramba, que campanha legal”, “racismo é uma m*****!” (algumas pessoas reagirão contra a campanha, como realmente aconteceu).



Agora pense na seguinte situação: vemos a imagem de uma pessoa de pele escura com uma banana e o que vem a mente? Não fique acanhado se você pensou: “doido, é um macaco!”, “parece mesmo um macaco!” É esse o ponto que quero atingir: no imaginário da imensa maioria (pra ser redundante mesmo), ainda se mantém a imagem de negro como macaco e a campanha, ainda que bem intencionada (reservo-me o direito de ser crente), de imediato vai ativar o estigma secularmente reafirmado acerca da população afrodescendente. Ainda que se afirme que será feita, assim, a desconstrução, sabe-se que mudanças no imaginário de um povo não acontecem de uma hora para outra e muito menos nesse mundo da “modernidade líquida” (para usar o termo do polonês pop).



A sociedade estabelece, historicamente, os atributos que considera naturais a determinados grupos, ou seja, naturaliza desigualdades, estereótipos. Talvez você afirme que é exagero, então vejamos outra situação:



Aparecem fotos de pessoas de pele clara com os cabelos pintados das mais diversas cores. O que geralmente se pensa é: “olha, pessoas descoladas!”, “olha, que estilosas!”. Agora pense nas mesmas fotos, cabelos coloridos, peles escuras... possíveis reações: “vixi! Só podia ser negro!” “só faz isso para chamar atenção, é negro!”. Antes que você afirme que mais exagero ainda, lembre que recentemente o jornal Diário de Pernambuco fez reportagem sobre jovens de periferia que pintavam o cabelo e, por coincidência social, eram jovens negros. Muitos comentários depreciativos foram feitos.



Essa é a linha de raciocínio que torna problemática a campanha de afirmação primata: os resultados serão (se existirem) pouco contundentes na luta contra o racismo.




4. A CAMPANHA PODE ESVAZIAR O RACISMO AO MOSTRAR O RISÍVEL DE TAIS ATITUDES: a partir da atitude do jogador e da reação em cadeia pelos cantos do país, pode-se conseguir aquilo que era um dos objetivos iniciais da comédia: levar a reflexão a partir do escárnio, da “tiração de onda”. Seria algo do tipo, mostrar o quão estúpida é a prática racista através de ações “mais estúpidas” ainda.



ATENÇÃO: não me oponho à luta contra o racismo, mas como professor de história/sociologia tenho o dever com minha profissão de pensar sobre o que o mundo me oferece, de DISCORDAR de tudo que for naturalizado e aja contra a dignidade humana.




Mais uma vez: essas considerações não foram escritas para serem eternas e nem inquestionáveis. Mas são fruto de minha reflexão e experiência de ser humano, negro em um país composto por pessoas que sempre conhecem racistas, mas nunca são racistas – pois racista é sempre @ outr@. 



Pense FORA DA CAIXA

Texto  extraído do face de  Bruno Leon Martins  
Fonte:  www.Salvianohistoria.com.br

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