O ato do jogador Daniel Alves, ao
ter lançada contra ele uma banana durante partida de futebol, gerou reações bem
dicotômicas e repercussões maiores ainda do que, talvez, ele esperasse. O
jogador Neymar, que até algumas semanas não se afirmava afrodescendente com uma
equipe de publicitários, iniciou uma campanha na qual ele, com uma banana,
afirma que “somos todos macacos”. Ganhou a rede.
Em tempos de comunicação global,
essa atitude repercutiu em escala de dez e as redes sociais foram inundadas por
imagens que vão de políticos a artistas, singelamente se afirmando macacos e
deglutindo a polissêmica fruta. O apresentador Luciano Huck, mais rápido do que
veloz, aderiu a campanha e lançou, em apoio a esta, camisas com a frase
afirmativa e a imagem de uma banana que, não consegui até agora entender, é
preta.
De início tive vontade de reagir
contra a campanha, mas me segurei pois muito da minha reação estaria ligada ao
passado de depreciações que sofri ao ser comparado com nossos parentes
próximos, os macacos. E não eram comparações positivas como a que essa campanha
supostamente parece promover. Depois de muito observar as reações, decidi
escrever algumas considerações que não se querem fechadas, mas que fazem parte
de minhas reflexões sobre o acontecido e partem de autores que estudei e,
claro, de minha experiência de vida afrodescendente.
1. NÃO SOMOS MACACOS. Essa Darwin já afirmara há algumas muitas
décadas e já naquela época não se quis ser macaco inclusive porque se afirmava
pejorativamente semelhança com negros africanos. Essa afirmação pós jogo de
futebol parece boa, mas precisa ser problematizada, o que nos leva até a
próxima consideração:
2. NEGROS E MACACOS SÃO ESTIGMAS. Para ampliar a reflexão,
definamos o que é estigma: é a relação que se estabelece entre determinado
atributo e estereótipos. Estigma, de maneira bem simplificada, é uma marca que
tem sentido específico para quem a carrega e para quem a vê. No caso específico
do Brasil, ter a pele escura, o nariz largo, os lábios carnudos, o cabelo
carapinha são estigmas, são marcas que são vistas por maior parte da sociedade
como algo depreciativo.
Essa afirmação se comprova em
várias situações do cotidiano:
a) quem tem pele escura tem mais
chances de ser revistado em “baculejos” policiais;
b) quem tem cabelo
carapinha/pixaim é pejorativamente taxado de “pessoa de cabelo ruim”;
c) quem tem nariz largo é
definido como “nariz de negro” ou “venta de porrote”;
Em suma, estes são exemplos de
como o que se mostra atributo da população afrodescendente é adjetivado como
coisa ruim, depreciativa.
Referir-se a alguém
afrodescendente como “macaco” é prova histórica desse racismo que constituiu a
sociedade brasileira e ainda está presente ainda que as ideias de Darwin já
tenha provado que não somos macacos.
3. POR QUE A CAMPANHA PODE SE MOSTRAR MAIS NEGATIVA QUE POSITIVA PARA A
POPULAÇÃO AFRODESCENDENTE: considerando o que foi afirmado acima acerca de
estigma e relação atributo físico – estereótipo, pense na seguinte situação:
Vemos fotos correndo soltas nas
redes sociais de pessoas com a fruta polissêmica, a banana, certo? Pois bem,
vemos muitas pessoas de pele clara com a fruta e afirmando que são macacos e,
muito provavelmente, pensamos: “caramba, que campanha legal”, “racismo é uma
m*****!” (algumas pessoas reagirão contra a campanha, como realmente
aconteceu).
Agora pense na seguinte situação:
vemos a imagem de uma pessoa de pele escura com uma banana e o que vem a mente?
Não fique acanhado se você pensou: “doido, é um macaco!”, “parece mesmo um
macaco!” É esse o ponto que quero atingir: no imaginário da imensa maioria (pra
ser redundante mesmo), ainda se mantém a imagem de negro como macaco e a
campanha, ainda que bem intencionada (reservo-me o direito de ser crente), de
imediato vai ativar o estigma secularmente reafirmado acerca da população afrodescendente.
Ainda que se afirme que será feita, assim, a desconstrução, sabe-se que
mudanças no imaginário de um povo não acontecem de uma hora para outra e muito
menos nesse mundo da “modernidade líquida” (para usar o termo do polonês pop).
A sociedade estabelece, historicamente,
os atributos que considera naturais a determinados grupos, ou seja, naturaliza
desigualdades, estereótipos. Talvez você afirme que é exagero, então vejamos
outra situação:
Aparecem fotos de pessoas de pele
clara com os cabelos pintados das mais diversas cores. O que geralmente se
pensa é: “olha, pessoas descoladas!”, “olha, que estilosas!”. Agora pense nas
mesmas fotos, cabelos coloridos, peles escuras... possíveis reações: “vixi! Só podia ser negro!” “só faz isso para chamar atenção, é negro!”. Antes que você afirme que
mais exagero ainda, lembre que recentemente o jornal Diário de Pernambuco fez
reportagem sobre jovens de periferia que pintavam o cabelo e, por coincidência
social, eram jovens negros. Muitos comentários depreciativos foram feitos.
Essa é a linha de raciocínio que
torna problemática a campanha de afirmação primata: os resultados serão (se
existirem) pouco contundentes na luta contra o racismo.
4. A CAMPANHA PODE ESVAZIAR O RACISMO AO MOSTRAR O RISÍVEL DE TAIS
ATITUDES: a partir da atitude do jogador e da reação em cadeia pelos cantos
do país, pode-se conseguir aquilo que era um dos objetivos iniciais da comédia:
levar a reflexão a partir do escárnio, da “tiração de onda”. Seria algo do
tipo, mostrar o quão estúpida é a prática racista através de ações “mais
estúpidas” ainda.
ATENÇÃO: não me oponho à luta
contra o racismo, mas como professor de história/sociologia tenho o dever com
minha profissão de pensar sobre o que o mundo me oferece, de DISCORDAR de tudo
que for naturalizado e aja contra a dignidade humana.
Mais uma vez: essas considerações
não foram escritas para serem eternas e nem inquestionáveis. Mas são fruto de
minha reflexão e experiência de ser humano, negro em um país composto por
pessoas que sempre conhecem racistas, mas nunca são racistas – pois racista é
sempre @ outr@.
Pense FORA DA CAIXA
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