quarta-feira, 18 de maio de 2016

A CONJUNTURA NÃO PERMITE ILUSÕES

Após o Senado aprovar a admissibilidade do processo de impeachment e consequente afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República, a conjuntura política nacional ganha uma nova configuração. Depois de 13 anos de governos petistas, o PT volta para o campo da oposição e o velho bloco de direita (que não estava totalmente fora do governo nesse ciclo político) retoma o governo, agora sem a necessidade de um intermediário, ou de um bombeiro da luta de classes. Contudo, velhos esquemas de interpretação da realidade podem sinalizar que a dinâmica política retomará o mesmo patamar dos anos 1990, quando o PT já consolidado como principal força política da esquerda brasileira, capitaneava as criticas aos governos neoliberais de plantão e expressava sua hegemonia no movimento de massas de forma avassaladora.
O quadro já não é mais o mesmo. A atual crise capitalista, com sua origem em 2008/2009, nas economias centrais segue seu curso. O capital, na busca de um rearranjo de sua capacidade de extração de mais-valia e ampliação das taxas gerais de lucro, lança ataques cada vez mais pesados contra à classe trabalhadora em escala internacional. O processo de exploração do trabalho se dá sob um forte ataque aos povos (a partir das guerras provocadas pelo imperialismo), nas perdas de direitos, na intensificação e precarização do trabalho, no contexto das chamadas políticas de austeridade ou ajuste, que visam atender as demandas do capital financeiro internacional.
As condições para políticas de pacto e conciliação de classes, que só são possíveis em cenário de crescimento econômico, revelam-se cada vez mais difíceis de serem sustentadas. Daí uma das bases da explicação do esgotamento do chamado ciclo progressista na América Latina. A burguesia, em sua sanha pela retomada dos seus lucros, não está mais disposta a conceder ou terceirizar os governos nacionais, ainda que seja para forças políticas já domesticadas e inseridas nos projetos de acumulação do capital, como foi o caso dos governos do PT. Ainda nesse afã da retomada do controle total das políticas econômicas de aprofundamento da exploração do trabalho, as burguesias tem alimentado movimentos fascistas em vários países do mundo, como uma espécie de plano alternativo de governo, no caso do fracasso da implementação das suas políticas no marco da farsa da democracia liberal.
Esse pano de fundo, revela o quanto o PT, que já havia desenhado uma política de conciliação, antes mesmo de chegar ao governo federal, a partir da Carta aos Brasileiros (2002), buscou e de certa forma ainda busca, mesmo apeado do governo, manter-se como uma alternativa confiável para os planos do capital. O neodesenvolvimentismo, assim também nomeado o projeto socioeconômico do período lulodilmista, que alguns setores reformistas apontam como a saída para a crise, em verdade foi o modelo que produziu as contradições que levaram ao quadro que estamos vivendo. Tal política fortaleceu a burguesia monopolista (em suas diversas frações) e conduziu a classe trabalhadora para um cenário de ilusões, desmobilização e apassivamento, a partir de uma sensação de ascensão social baseada no consumismo, que falseava a perda e a precarização constante de direitos que marcaram os últimos 13 anos.
O processo de impeachment, conduzido de forma artificial e apoiado por segmentos da burguesia industrial, pelos conglomerados midiáticos, e com o consentimento do capital financeiro, foi uma forma encontrada pela classe dominante de constituir um rearranjo institucional que permitisse que as reformas necessárias para sua tentativa de retomada das taxas de lucro, possa ser acelerada, numa concertação política pelo alto, que permita a aplicação dessa agenda, que tem no documento Ponte para o Futuro, apresentada pelo PMDB, o horizonte de desmonte e violentos ataques contra a classe trabalhadora.
Aqui é importante uma consideração, para não nos deixarmos levar pelas chamadas “ondas” de opinião que acabam conduzindo organizações e militantes sociais para um discurso que acaba atendendo à tática petista. Na tentativa fracassada de sobrevivência, os reformistas criaram o mote: “Não vai ter Golpe!”, como uma forma de unificação de setores importantes da classe trabalhadora. Já desacreditados junto à própria base de sustentação social que manteve esse projeto vigente, principalmente após a aplicação do Plano Levy, que não diferiu em sua essência ao projeto Ponte para o Futuro, o bloco de sustentação do Governo Dilma, abandonou a bandeira do “Fica Dilma” pela bandeira da defesa da Democracia (burguesa, é claro). Contudo, ainda que o avanço conservador seja notável, e os ataques diretos contra o PT atinjam o conjunto da esquerda, as tentativas de barrar o processo de impeachment, ainda que impulsionadas por amplos movimentos de massa, principalmente a partir do mês de março deste ano, não conseguiram criar uma unidade e avançar no combate à agenda da direita. Essencialmente, pelo caráter e pelo projeto petista, que ao contrário de algumas expectativas, não tinha a menor possibilidade de uma guinada à esquerda, e cujos defensores apostaram até os últimos minutos em uma saída conciliatória, como forma de saída da crise.
O governo Temer aplicará uma série de medidas antipopulares como privatizar, precarizar o serviço público, criminalizar os movimentos e as lutas sociais, implementar uma politica de arrocho e de perda de direitos. Esse pacote virá a galope; contudo, é importante termos clareza de que essa agenda já vinha em curso no governo Dilma, com a entrega do pré-sal, através dos leilões do petróleo e do acordo realizado com o PSDB, que culminou na aprovação da lei, formulada por José Serra, que permite às petrolíferas estrangeiras explorar o pré-sal sem fazer parceria com a Petrobras; a privatização de portos, aeroportos; da retirada de direitos da classe trabalhadora, com ataques diretos ao serviço público como é o caso do PLP 257/2016; do corte de recursos para as áreas sociais (educação, saúde); com a aprovação de duas leis que preparam o terreno para a criminalização já existente e que será intesificada, através da lei de garantia da lei e da ordem e da lei antiterrorista. Além da manutenção das amplas benesses ao capital financeiro, que manteve durante os últimos 13 anos, assim como nos governos anteriores, total controle sobre o orçamento, através de uma divida pública que nunca foi atacada, e sobre a qual Dilma vetou a possibilidade de auditoria, ainda no começo deste ano.
Nesse grave cenário, os setores consequentes da esquerda tendem a se unificar sob a bandeira do FORA TEMER. Mas essa bandeira, conjuntural, deve ser associada a uma movimentação tática e a um horizonte estratégico. Aqui reside a pedra de toque dos debates que serão travados no campo popular e no seio da classe trabalhadora. O FORA TEMER, deverá estar articulado a uma tática de composição de uma ampla frente anticapitalista que vem se desenhando em uma série de greves e ocupações país afora, mas que precisam de uma maior unicidade e coesão. A luta em defesa da democracia e da volta de Dilma, podem confundir os movimentos dos trabalhadores. O lulismo em busca da viabilidade eleitoral para 2018, buscará recompor o mesmo projeto que desenvolveu durante os seus treze anos de governo, porém essa tática consiste numa ilusão, pois foi essa movimentação que levou a classe trabalhadora a um cenário de grave desmobilização e desorganização.
Ao mesmo tempo a bandeira do “Fora todos!”, encampado por algumas organizações de esquerda, associada ao chamado por eleições gerais, é em verdade uma saída reformista e que articula-se, ainda que de forma indireta, à agenda da direita. Envidar esforços, organização e luta da classe trabalhadora para uma saída institucional, nos marcos das eleições burguesas, seria uma forma de reforçar as ilusões com o Estado burguês e conduzir a classe trabalhadora para o apassivamento, na expectativa de uma saída eleitoral como resolução dos problemas. Eleições gerais, na atual conjuntura, tenderiam a preparar a cama para um governo de direita legitimado pelo voto.
Todas as lutas sociais encampadas no Brasil, principalmente após o biênio 2012/2013, têm construído novas e dinâmicas formas de luta contra o capital. A tarefa dos revolucionários é participar ativamente dessas lutas, na busca da construção de espaços do Poder Popular, que articulem as lutas cotidianas, a uma tomada de consciência e a construção de um horizonte estratégico que não pode ser uma atualização de propostas reformistas. A construção de novas formas de organização da classe, inevitavelmente se chocarão contra os interesses do capital. Neste sentido, o Socialismo tem de ser colocado na ordem do dia. A conjuntura internacional tem revelado que é cada vez mais atual a consigna, lançada por Rosa Luxemburgo, do Socialismo ou Barbárie!
A luta é árdua, mas teremos de saber travar o bom combate. O atual cenário de retrocesso não pode ser colocado na conta da esquerda socialista, mas sim no fracasso da tardia social-democracia brasileira e do seu projeto democrático popular. A esquerda socialista não pode ser responsabilizada pelo avanço conservador, mas sim o petismo e seus aliados que combateram duramente os setores de esquerda no interior dos movimentos sociais, enquanto estendiam seus braços para os setores da direita, que o traíram sem o menor pudor, como já era de se esperar.
A conjuntura será muito dura para a classe trabalhadora e para os movimentos populares. A agenda anti-povo se intensificará e se aprofundará, sob o governo ilegitimo de Michel Temer. É preciso enfrentar a dura conjuntura, que já estamos vivendo, mas sem ilusões, e sim com o necessário e permanente desafio de construirmos uma saída real para a classe trabalhadora, uma saída revolucionária.
* Rodrigo Lima é membro do Comitê Regional de Santa Catarina do Partido Comunista Brasileiro.

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