segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Individualismo contemporâneo na moda

Claudinha Palma

Claudinha Palma

Mestre em comunicação social, sócia da Agência Browse e professora no MBA ESPM Sul
O individuo é soberano na sociedade contemporânea, o que origina muitas características sociais e políticas na atualidade. A individualidade está intimamente ligada à liberdade, entre elas as liberdades de escolha, à busca pelo prazer, ao culto ao corpo e à beleza inerente aos temas como o hedonismo e o narcisismo.
Vamos considerar aqui, o individualismo como uma ideologia própria da modernidade e que se mantém na pós-modernidade.
Dumont (2000) explica que existem dois tipos de sociedade: holistas e individualistas. Para o autor, essa diferença está na totalidade do corpo social, presente na sociedade holista, e na valorização do individuo solitário, na sociedade individualista. Nesse sentido, o individuo é o centro e o foco do universo social. Isso aconteceu depois das transformações associadas à modernidade. Nesse momento da história, o indivíduo foi libertado das tradições e das estruturas sociais. Fizeram parte desse cenário as mudanças sociais, políticas e econômicas resultantes da Reforma Protestante e do Renascimento.
Simmel (2005) remonta a origem do individualismo ao momento cultural do Renascimento italiano, momento em que as vontades de “poder, fama, prestígio e distinção” foram disseminadas. A cultura renascentista exercia pressão para que o ser- humano daquela época sentisse o desejo de impor sua própria singularidade, de criar seu próprio estilo. O individualismo é a marca principal da modernidade e é o principal valor cultural da sociedade ocidental, conforme explica Vieira e Stengel (2012, p. 347):
Este argumento demonstra que a ideia de indivíduo pode ser desnaturalizada, ou seja, a percepção de si como indivíduo não é inata, mas construída socialmente. Pode-se dizer até que é fundada na sociedade moderna. Tendo em vista este aspecto, adotaremos o termo pessoa ao falarmos de sociedades tradicionais e indivíduo quando nos referirmos às sociedades modernas, seguindo o estudo feito por DaMatta (1983), a partir da análise de sua obra por Stengel (2004, p. 40).
Nas sociedades individualistas, perpassa a noção de que a sociedade deve estar a serviço do indivíduo, sendo o contrário entendido como injustiça ou opressão (VIEIRA; STENGEL, 2012).
Se tomarmos a publicidade nas últimas décadas como exemplo, poderemos observar sempre o discurso que supervaloriza o individuo, que o coloca à frente e no centro da sociedade.
“Você merece”, “você pode”, “você é o melhor” é algo que a mídia, através da publicidade, reforça no âmbito social.
A noção de individualismo nasce junto com a noção de liberdade (SIMMEL, 2005). Nesse momento, diversos pensadores colocaram o individualismo em um patamar supremo, como Rousseau. Para que fosse possível alcançar a liberdade, era preciso se desfazer das instituições sociais (como a Igreja, por exemplo) que impediam a realização plena do individuo. Esse período constituiu a primeira fase do individualismo. A segunda revolução individualista iniciou-se a partir do século XIX, por influência do Romantismo, trazendo a ideia de que os homens, agora libertos dos laços tradicionais, poderiam ser distinguidos uns dos outros. Os indivíduos buscavam, então, ser valorizados na sua singularidade, queriam ser únicos e incomparáveis (SIMMEL, 2005).
O individualismo continua presente nas sociedades pós-modernas. O individuo em busca de sua liberdade segue no centro cultural e social. Compreendemos como pós-modernidade o que Lipovetsky (2005, p. 90) sugere:
Pode-se dizer que a fase moderna de nossa sociedade caracterizou-se pela coexistência de duas lógicas adversas com evidente preeminência, até as décadas de 1950 e 1960, da ordem disciplinar e autoritária. Em troca, chamamos de sociedade pós-moderna a inversão dessa organização caracterizada pela dominância no momento em que as sociedades ocidentais tendem cada vez mais a rejeitar as estruturas uniformes e a generalizar os sistemas personalizados à base de solicitação, de comunicação, de informação, de descentralização e de participação. […] o tempo pós-moderno é a fase cool e desencanada do modernismo, a tendência à humanização sob medida da sociedade.
Para Lipovetsky (2005), o individuo vive de forma narcísica, não apenas no sentido de um culto ao corpo, à beleza padronizada, ao não envelhecimento, ao consumo, mas no sentido de um outro estilo de vida que ele denomina homo psychologicus: o indivíduo que se preocupa com o seu bem-estar. E nessa busca pelo bem-estar, ele inclui tudo: yoga, acupuntura, medicinas alternativas (holísticas) oriundas da cultura oriental e trazidas para o ocidente. O Narciso contemporâneo, para o autor, não tem uma motivação central. Sem nenhum tipo de motivação essencial, ele busca sobreviver à sua própria apatia (em grego: ausência de paixões), tentando realizar-se apenas no seu próprio poder de consumo e na estabilidade de sua saúde. Esse individualismo contemporâneo abre novos paradigmas sociais.
Para Bauman (2001), o momento presente pode ser caracterizado como a era da liquefação do projeto moderno, ou como modernidade líquida. Esse momento é marcado pela dissolução das forças ordenadoras, das instituições sociais e dos padrões sociais de referência que balizavam a ordem social da modernidade e que se tornaram liquefeitos. Segundo Bauman (2001, p. 12):
O “derretimento dos sólidos”, traço permanente da modernidade, adquiriu, portanto, um novo sentido, e, mais que tudo, foi redirecionado a um novo alvo, e um dos principais efeitos desse redirecionamento foi a dissolução das forças que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política. Os sólidos que estão para ser lançados no cadinho e os que estão derretendo neste momento, o momento da modernidade fluida, são os elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas — os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividades humanas, de outro.
Essa transição entre o sujeito na modernidade e na pós-modernidade é explicado por Vieira e Stengel (2012, p. 349):
Na Modernidade o sujeito era concebido como sendo racional, pensante e consciente, situado no centro do conhecimento, que denominamos como o sujeito cartesiano. Era uma concepção de sujeito como tendo uma identidade fixa, estável e coerente. O sujeito pós-moderno pode se perder numa desordem ou em uma nova ordem, na qual os interesses individuais tendem a suplantar os interesses voltados ao bem-estar coletivo. Cada um estaria voltado para a busca de sensações prazerosas a despeito da organização coletiva. Enquanto a responsabilidade na Modernidade refere- se a preocupações de âmbito coletivo, na Pós-modernidade os indivíduos preocupam-se com o seu bem-estar individual, revelando uma indiferença com as questões da sociedade.
A moda, nesse contexto pós-moderno, está relacionada intimamente ao consumo, ao capitalismo. Segundo Svendsen (2010, p. 128),
No principio da era moderna, vivíamos numa “sociedade de produção”, em que os cidadãos eram moldados sobretudo a serem produtores. Seu papel básico era produzir. Na sociedade pós-moderna, esse papel mudou e é como consumidores que seus membros são vistos.
Esse consumo liberta o individuo. A partir da moda, do consumo, ele é livre para construir sua identidade. Parece simples pensar nesse sentido, mas as questões que emergem acerca da individualidade a partir da moda são de ordem muito mais complexa. Para Sevendsen (2004), não consumimos apenas para suprir necessidades
já existentes: nós o fazemos provavelmente para criar uma identidade. O consumo, segundo Bauman (2001), também serve como uma forma de entretenimento, de combate ao tédio.
Sem dúvida, a moda, ou melhor, o sistema da moda, como conhecemos na atualidade, tem o individuo como objeto central e o argumento da identidade como lógica de funcionamento. Hall (2014, p. 9) nos diz que
A questão da “identidade” está sendo discutida na teoria social. Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto com um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.
A compreensão de identidade dentro do individualismo pós-moderno vai ser central para que se compreenda a significação das imagens de moda. A moda é produto direto desses fenômenos e, portanto, é inevitável que se delimite a perspectiva do que é moda e como ela é compreendida.
Essa busca não é simples. Diversos pensadores já definiram o conceito de moda, mas o que se pode observar é que não há um consenso ou um caminho único a seguir. Para iniciar a discussão, podemos observar alguns pontos de vista.
Simmel (2005) relaciona a moda à identidade, em que as roupas são uma parte vital na construção do eu. A moda não diz respeito apenas à diferenciação de classes, está relacionada à expressão de nossa individualidade. Segundo Barthes (1980), as roupas são a base material da moda, ao passo que ela própria é um sistema de significados cultural. Para Lipovetsky (2004), a moda é uma forma específica de mudança social, independente de qualquer objeto particular; antes de tudo, é um mecanismo social caracterizado por um intervalo de tempo particularmente breve e por mudanças mais ou menos ditadas pelo capricho, que lhe permitem afetar esferas muito diversas da vida coletiva. Ele ainda explica que só podemos classificar como “moda” a partir do momento em que a efemeridade é constante, em que as fantasias e exuberâncias aparecem e a sociedade se adapta aos novos conceitos criados. A moda é um sistema inseparável do excesso, da desmedida, do exagero.

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