domingo, 13 de dezembro de 2020

COLUNA DO POETA -

Caminhos e trajetórias
Abdias  Nascimento

Autobiografia
EITO que ressoa no meu sangue
sangue do meu bisavô pinga de tua foice
foice da tua violação 
ainda corta o grito de minha avó

LEITO de sangue negro
emudecido no espanto 
clamor de tragédia não esquecida 
crime não punido nem perdoado
queimam minhas entranhas

PEITO pesado ao peso da madrugada de chumbo
orvalho de fel amargo
orvalhando os passos de minha mãe
na oferta compulsória do seu peito

PLEITO perdido
nos desvãos de um mundo estrangeiro
libra... escudo... dólar... mil-réis
Franca adormecida às serenatas de meu pai
sob cujo céu minha esperança teceu
minha adolescência feneceu
e minha revolta cresceu

CONCEITO amadurecido e assumido
emancipado coração ao vento
não é o mesmo crescer lento
que ascende das raízes
ao fruto violento

PRECONCEITO esmagado no feito
destruído no conceito
eito ardente desfeito
ao leite do amor perfeito
Dueto para Bida (Viola e Pássaro), Abdias do Nascimento [Acervo Ipeafro]


sem pleito
eleito ao peito
da teimosa esperança
em que me deito



Abdias Nascimento (artista plástico, escritor, teatrólogo, político e poeta) - Franca – SP, 14 de março de 1914 – Rio de Janeiro – RJ, 23 de maio de 2011 

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